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domingo, 19 de agosto de 2018

JESUS NÃO CRIOU O CRISTIANISMO **



                 Apesar do grande desenvolvimento dos estudos bíblicos e da pesquisa científica sobre a origem do Cristianismo, ainda pairam muitas dúvidas e incertezas sobre o Jesus histórico e a sua mensagem. Os estudos mostram que ele era um humilde pregador, mas nunca teve a intenção de criar uma nova religião. Na verdade, pouco sabemos da vida do Jesus histórico. Talvez isso se deva justamente ao fato de sua humildade e absoluta falta de vaidade por sua imensa sabedoria. Historiadores, linguistas, arqueólogos e teólogos juntaram evidências de que, em Belém ou em Nazaré, no ano 6 ou 7 a.C. nasceu um menino que recebeu o nome de Yashua Bem Yossef que, em aramaico, quer dizer "Jesus filho de José". 
                  Durante muitos séculos Jesus foi pouco conhecido historicamente. A comparação entre o Jesus histórico e o Jesus idealizado pela Igreja Cristã é muito provocativo e desperta reações de todo o tipo. Por isso é difícil que alguém tenha coragem de dizer o que realmente sabe à respeito. O que se pode constatar é que as pessoas demonstram total desconhecimento sobre o que era a Palestina no século I. Para a maior parte dos estudiosos,  o judaico-cristianismo palestino do século I não era uma nova religião; segundo estes mesmos estudiosos, Jesus foi um fiel seguidor da religião judaica. Mas era um pregador muito especial. Seu poder carismático atraia a todos e assim ele podia pregar os ensinamentos que hoje chamamos de "princípios cristãos". Ele certamente foi um incômodo profeta judeu, que lembrou aos homens de que a fé poderia conviver com a compaixão, a criatividade, a aventura e o amor à vida. Trouxe nova perspectiva para o que era chamado de Reino de Deus. A tradição da Igreja prega o reino do futuro como sendo de justiça e de santidade. Mas Jesus Cristo estava entre aqueles que viviam o aqui e agora. Para ele o reino era a realidade presente. 
               Até o século XIX era praticamente nulo o conhecimento histórico sobre Jesus. As únicas fontes conhecidas sobre a vida e os ensinamentos da figura humana central do Cristianismo foi o Novo Testamento, em especial os Evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João. Na antiguidade, os textos históricos consistiam em crônicas e narrativas. Já na Idade Média, sobre o enorme poder da Igreja, eles continuaram com a as características desses gêneros, mas passaram a mostrar a história como um mero desdobramento dos planos de "Deus". Foi nesse contexto que, em meados do século XIX, os estudiosos da religião começaram a admitir que os textos evangélicos, assim como todo o conteúdo da Bíblia, não podiam ser aceitos como trabalhos históricos. Isso mostra que há um descompasso entre o que a igreja conhece por meio das pesquisas e a versão que se cristalizou, ao longo de quase dois mil anos, sobre como surgiu realmente o Cristianismo. Rochus Zuurmod, professor de teologia bíblica da Universidade Livre de Amsterdã, na Holanda, em seu livro "Procurai o Jesus Histórico" disse: "existe um abismo cada vez mais alarmante entre os resultados da pesquisa científica em torno da Bíblia e o que dela sabe o cidadão comum, pertencente ou não a alguma igreja".  Ainda, segundo suas informações, as histórias da Bíblia foram contadas com base nos pressupostos de quem as contava e de acordo com a função que queriam dar a elas. 
              A história oficial nos informa que Jesus viveu entre o ano 1 e o 33, quando foi crucificado. Portanto, ele viveu algumas décadas antes da Guerra Judaica (66 x 70 d.C.), quando o general romano Vespasiano, depois imperador, sufocou a grande rebelião da Judeia, destruiu o templo de Jerusalém e massacrou os judeus. Ora, os Evangelhos foram escritos depois desse conflito, quando diversas facções de judaísmo foram extintas por causa do elevado número de mortes. O judaísmo pós anos 70 d.C. foi reconstruído pela seita dos fariseus. Para eles, mesmo antes desse período, Jesus não era o messias previsto pelos profetas do Antigo Testamento. Já naquela época, os cristãos não cumpriam o ritual da circuncisão e nem as restrições de alimentos que eram fielmente observados pelos judeus. Por essas e utras razões, os fariseus e os novos seguidores de Jesus foram se tornando duas seitas que acreditavam no mesmo Deus, mas eram antagônicas. Esse antagonismo se refletiu nos Evangelhos de Marcos foi escrito na época da guerra e essa é talvez uma das razões de menos antagonismo entre as duas seitas. Por outro lado, a imagem de Jesus em confronto com os fariseus em discussões sobre religião, é forte indício de que ele teria profundas divergências com essa seita. Mas é preciso considerar que os fariseus valorizavam muito os debates sobre os princípios da religião e só o praticavam com aqueles que respeitavam. Isso quer dizer que eles não teriam debatido com Jesus, como mostram os Evangelhos, se não tivessem respeito por ele e , acima de tudo, se, em vez de ser um seguidor do judaísmo, ele tivesse pregado uma outra religião. Por outro lado, é preciso considerar que os debates de Jesus só foram registrados pelos evangelistas após os anos 70 d. C. e, assim, foram descontextualizados. Portanto os evangelhos devem ser compreendidos à luz de mudanças de contextos históricos. 
                 Segundo o que Mateus escreveu, Jesus teria incumbido Pedro de construir um templo religioso e fundar uma nova religião. Mas é preciso considerar que a frase, qualquer que tenha sido, foi dita em aramaico, língua do dia-a-dia falada na Palestina; (o hebraico só era usado em atividades religiosas), mas as versões mais antigas dos textos de Mateus estão em grego que, mesmo sob a dominação romana, era o idioma oficial. A palavra "igreja", que hoje conhecemos, é a tradução do grego "ekklésia", que então significava comunidade. Portanto, Jesus estava se referindo à criação de uma comunidade e não a uma igreja ou religião. Ele não estava interessado numa revolução política, mas buscava apenas uma revolução social que afetaria as profundezas mais perigosas do poder dominador. O ideal comunitário e igualitário de Jesus ia contra os interesses da casa dos saduceus, que abrangia chefes religiosos e políticos, bem como o clero latifundiário conivente com a realidade imperialista e comunitária da ocupação da Palestina por Roma. Uma das certezas das pesquisas cristológicas é de que somente os saduceus participaram com os romanos do processo que levou Jesus à morte por crucificação. Jesus sempre levou muito a sério o que a religião de seu povo pregava. E foi na sua experiência humana que ele aprendeu  isso. As palavras Reino de Deus, mensagem central de Jesus, é o grande enigma que precisa ser desvendado. Para ele a verdadeira religião era a vida, o modo de se comportar com Deus e semelhantes. Tudo o que foi escrito posteriormente são idéias e invenções de diversos escritores com o objetivo de idealizar a igreja com base no Cristianismo criado por Saulo de Tarso (São Paulo).                
                  A informações sobre a vida de Jesus, o apóstolo Paulo e a elaboração do Novo Testamento foram enriquecidos com o auxílio de fontes independentes do Cristianismo, como os judeus Flávio Josefo e Filo de Alexandria, além dos romanos Tácito e Suetônio
            A dominação da Palestina por Roma a partir de 63 d.C. obrigou os escritores a mudarem a verdadeira história. A participação dos judeus na condenação de Jesus, na forma mostrada pelos textos dos apóstolos, foi um recurso para evitar problemas do Cristianismo com Roma. Note-se que, segundo os escritores evangelistas, Pilatos lavou as mãos. Foi a forma encontrada pelos historiadores para isentá-lo da responsabilidade sobre a decidida morte por crucificação. É lógico que aquele apóstolo humilde despertava medo nos poderosos, mas eles precisavam manter a boa imagem diante do povo. Era uma época de intensas perseguições aos judeus.  A crucificação era uma pena aplicada aos que eram considerados contrários à ordem estabelecida  em Roma. 
               São Paulo, também chamado de Saulo de Tarso, Paulo de Tarso e Apóstolo Paulo, foi dos mais influentes escritores do Cristianismo. Suas obras compõem parte significativa do Novo Testamento. Ele se dedicava à perseguição dos primeiros discípulos de Cristo na região de Jerusalém. A história contada é de que Saulo de Tarso, soldado romano, durante uma perseguição aos discípulos, teve uma visão de Jesus envolto em uma grande luz que o cegou. Permaneceu cego durante três dias e ao recuperar a visão começou a pregar o Cristianismo. Portanto, ele foi o principal líder do Cristianismo nascente. 
                Jesus Cristo, um humilde apóstolo judeu, queria apenas transmitir a sabedoria e aliviar o sofrimento dos menos favorecidos. Por suas posições contrárias a muitos interesses acabou crucificado, a mais degradante execução que poderia ser imposta pelo Império Romano, entidade política dominadora da região. Para seus seguidores, que a seu lado se mantiveram até aquele momento fatídico, ele era o único homem capaz de restaurar a independência de Israel, tornar-se rei dos judeus e reformar o judaísmo, devolvendo-lhe o caráter distinto das religiões pagãs de todos os outros povos. Nenhum dos 11 companheiros gozava de algum poder entre seus compatriotas judeus e muito menos no Império Romano. 
               Ao longo do século XX, cresceu a compreensão da importância do esforço do apóstolo Paulo na construção do Cristianismo e no seu direcionamento que, em poucas décadas, o tornou uma religião distinta do judaísmo. 
               A perseguição aos cristãos, imposta pelo Imperador romano Diocleciano (243 x 313), que passou para a história como o maior assassino dos cristãos, durou cerca de 10 anos (303 x 312). Os mártires atingiram a absurda cifra de 20 mil, o maior massacre daquela época, considerando que a população mundial era relativamente pequena. Com a chegada de Constantino (Flavius Valérius Constantinus) - o Grande, Imperador romano (272 x 337), filho de Constâncio, que foi levado ao poder pelo seu exército, o império tomou um novo rumo. Conta-se que Constantino teve a visão de uma cruz com a inscrição, em grego, "tout a nika" (triunfa por meio desta). Disse a todos que sua vitória sobre Maxêncio, nas margens do rio Tibre em 312, foi resultante de intervenção sobrenatural.  Converteu-se cristão, mas parece que não se batizou. A partir daquele momento estabeleceu um regime de tolerância para a Igreja Cristã por meio do Edito de Milão (ano 313). Com a ajuda dos cristãos conseguiu unificar novamente o império. 
                 Em 324 tornou-se o único imperador romano e aos poucos foi imbuindo o "espírito cristão" nas leis romanas.  Suprimiu o sacrifício da cruz, os combates de gladiadores e favoreceu a libertação dos escravos. Intitulou-se o protetor da igreja e defensor da fé ortodoxa. Construiu muitos templos e reuniu o Concílio Ecumênico de Niceia (ano 325). O "imperador cristão" concedeu ao Cristianismo plena liberdade, cumulou de honras os chefes espirituais da jovem igreja, confiou-lhes elevados cargos políticos na administração do império e, dessa forma, entregou-lhes as chaves para grandes fortunas. Estava lançado o germe da corrupção interna, não do Cristianismo em si, mas de numerosos cristãos que tinham nas mãos os destinos históricos dos ensinamentos de Cristo. Constantino e seus auxiliares conseguiram, em poucos anos, a paz que Nero, Diocleciano e seus comparsas não haviam conseguido em três séculos de guerra.  Mas o verdadeiro Cristianismo nunca foi compatível com as realidades vividas pela humanidade nestes quase dois mil anos de sua existência.   
                 O império romano necessitava dar estabilidade a todo o território conquistado, levando os integrantes de todos os povos dominados a adquirirem um sentimento de romanidade. Somente a força e o poder do imperador não se mostravam capazes de criar um Estado estável. Era necessário que as pessoas quisessem pertencer a uma entidade mais ampla que o próprio império. (No passado, mais do que hoje, a identidade das pessoas estava fortemente ligada à religião a que cada um pertencia). O Cristianismo era a religião ideal e necessária para o império Romano. Tratava-se de uma religião universalista que abolia as diferenças entre as pessoas. Dessa forma, o Cristianismo, que tanto sofreu perseguição do império, ajudava-o na manutenção do poder. Mas também foi beneficiado pelo poder de Roma.
Com a queda do império Romano, a igreja Cristã tornou-se a herdeira natural do poder sobre os povos dominados e cristianizados. Constantino foi seu primeiro Papa, mas depois dele outros deram continuidade, sempre ampliando o poder e a riqueza da entidade. Por ter servido de base ideológica para o mais amplo império daquele tempo, se tornou a primeira religião universal. É a principal religião da Europa, das Américas, da Oceania. Têm fortíssima presença na África e existe em quase todos os países da Ásia. É fácil compreender porque isso aconteceu. Desde o início, Jesus foi visto pelos fiéis da igreja nascente como a encarnação de Deus na terra. 
                 Apesar dos problemas que a atual igreja vem passando, com escândalos de corrupção, roubos e pedofilia, não se pode negar que ela tornou-se a maior força civilizatória que a humanidade conheceu. Não quero aqui entrar em explicações sobre as questões da fé ou de qualquer dado metafísico ou sobrenatural. É um assunto que merece todo o respeito a cada fiel participante. Mas, fatos passados, não desaparecem nem mesmo por "milagre". Onde existe poder e dinheiro, existe também a corrupção e criminalidade. É ilusão acreditar que os problemas evocados hoje em dia, no seio da igreja católica, foram descobertos recentemente. O problema do celibato clerical é fator que incentiva a pedofilia que tanto sofrimento tem causado a fiéis e a religiosos sérios, prejudicando a imagem da igreja como um todo. O problema do controle de natalidade, o problema das relações sexuais antes do casamento, o problema da sexualidade fora do casamento, o problema do amor entre pessoas do mesmo sexo, foram todos colocados antes da última guerra mundial. Mas até hoje a igreja Católica Cristã nada faz para resolvê-los. Sempre existiram de forma velada, mas, ao que tudo indica, os dirigentes preferem fazer "vista grossa" em vez de enfrentá-los de frente. Também a inevitável separação da igreja e a ciência causou um grande abalo na autoridade religiosa e na disciplina por ela imposta. Cada vez mais a ciência moderna se coloca com menos boa vontade a serviço da moral que a igreja tenta impor. Na medida em que a educação, a cultura e a ciência avançam, a religiosidade diminui. Hoje já existem cerca de um bilhão e cem milhões de pessoas sem religião. 


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O sábio filósofo germânico Keyserling disse: "Os grande homens da história não são grandes pelos problemas que resolveram nem pelos pensamentos que definiram, mas, sim, pelas direções cósmicas que deram, pelas vastas perspectivas que legaram à humanidade de todos os tempos. Se solveram algum problema ou definiram algum pensamento, é isto precisamente o limite da sua grandeza e o princípio da sua pequenez. A sua verdadeira grandeza está nas orientações que deram, porque essas orientações vão para o infinito..."
                


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