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segunda-feira, 20 de agosto de 2018

A PAIXÃO DE CRISTO E SUAS ICONOGRAFIAS



                  Ao longo dos séculos, motivados por sentimentos religiosos e até de culpa, o homem tem reconstituído o suplício, a morte e a ressurreição de Cristo através de pinturas, esculturas, teatro e, mais recentemente pelo cinema e televisão. 
                 Todas as reconstituições da Paixão de Cristo baseiam-se no Evangelhos. 
                 Este mistério do drama de Cristo sempre exerceu extraordinário fascínio sobre a humanidade. Provas históricas e científicas têm sido procuradas para dar fundamento aos escritos dos evangelhos, mas, ainda hoje, a igreja não conseguiu comprovar documentalmente os fatos narrados nas escrituras. A própria biblioteca do vaticano guarda documentos de autores que teriam sido contemporâneos de Jesus, mas nenhum faz referência aos fatos narrados. Em 1955, o Papa Pio XII, falando sobre Jesus  Cristo para um Congresso Internacional de História, em Roma, disse: "Para os cristãos, o problema da existência de Jesus Cristo concerne à fé e não à história". 
              A história de como realmente ocorreu a morte de Jesus, sofreu modificações no decorrer dos séculos. Passados mais de dois mil anos, muitos pontos obscuros continuam sendo objeto de discussão entre os estudiosos. 
               A crucificação era um suplício romano, de origem persa, que foi criado para que o condenado não maculasse a terra com seu sangue impuro, ao ser executado. Este enorme suplício costumava ser aplicado a escravos que fugiam ou se revoltavam contra seus donos e também a ladrões. Pela história contada nos evangelhos, nenhum desses seria o motivo pelo qual Jesus foi crucificado. Então, uma das perguntas que se faz é: por que Cristo foi condenado a morrer na cruz?
               A narrativa de todas as etapas da crucificação é um dos episódios em que os quatro Evangelhos coincidem, apenas com algumas divergências de menor importância. 
              As três principais etapas da paixão são: Cristo carregando a cruz, os preparativos do suplício e a crucificação no Calvário. 
                 A crucificação aparece em duas versões nos Evangelhos. Segundo Mateus Marcos e Lucas, um homem chamado Simão, o Cireneu, foi intimado pelos soldados a ajudar Cristo carregar a cruz. Mas, segundo o Evangelho de São João, Cristo carregou a cruz sozinho até o local da crucificação. 
               A personagem da mulher enxugando o rosto suado e sangrento de Cristo, com seu véu, só aparece na história no final do século XV. O nome Verônica foi dado àquela mulher porque, segundo a história, é o rosto de Cristo que ficou gravado no véu e quer dizer Verdadeira Imagem (vero icona). 
             O caminho da paixão surgiu no fim da Idade Média, e é um dos fatos mais significativos da iconografia. É quando surge uma nova devoção instituída de propaganda pelos padres franciscanos que, segundo consta, haviam recebido a guarda e custódia dos lugares santos. Foram denominados "Os Passos de Cristo, com suas 14 estações. 
                Os caminhos de Cristo, a dolorosa ascensão ao calvário, foram reconstituídos pela imaginação criativa de alguns místicos, como São Boaventura e Santa Brigida da Suécia, como se tivessem sido testemunhos oculares daquelas cenas. 
              Os preparativos da crucificação falam de Cristo sentado sobre um rochedo, despojado de suas roupas, coroado de espinhos, mãos atadas por cordas, enquanto espera a caminhada para a execução. 
              Havia um tradicional costume judeu onde oferecia-se um vinho fortemente aromático aos condenados à morte. O objetivo era aturdi-los ou anestesiá-los. Segundo São Mateus, os soldados lhe deram uma mistura de vinho com fel para beber. Já São Marcos fala em mirra. No entanto, Cristo recusou  bebida, talvez porque desejasse chegar à morte em plena consciência. 
             A crucificação começa com Cristo sendo levado à cruz, colocado em cima da madeira e nela pregado, para só então ser levantado. Entretanto, existem outras versões, como a de alguns místicos medievais, segundo a qual a parte vertical da cruz já se achava erguida e Cristo é cravado primeiro nos braços transversais do patíbulo e só depois é erguido e pregado nos pés. 
            Os Evangelhos nada dizem, com precisão, sobre a forma da cruz. 
            Ao que tudo indica, nas primeiras representações do Calvário, Cristo achava-se suspenso numa espécie de poste. 
            Nos primeiros séculos do Cristianismo a crucificação só era invocada indiretamente e através de símbolos. A igreja apenas esboçava alguns traços da crucificação, embora sempre tenha sido um tema essencial. É somente no século VI que, através da iconografia, Cristo aparece na cruz sob forma humana. Então o suplício perde seu caráter infame, só aplicável a escravos e ladrões. O mais antigo documento desta iconografia é um baixo-relevo em marfim, de origem siríaca, do ano 586, que se encontra no British Museum de Londres.
              Nas primeiras imagens da crucificação, Cristo é apresentado em duas posições: Na primeira Ele e um jovem imberbe e está envolto numa túnica. Aparece com os braços levantados, em atitude de oração e seus pés pousavam no chão e não tinham cravos. Na segunda, que foi aprovada pelo Concílio de Trento, sua posição aparece como as atuais representações. 
             Nas crucificações gregas e orientais, Cristo é representado vivo na cruz, em atitude triunfante, tendo na cabeça uma coroa real. Os cravos dos pés e das mãos   de Cristo são mencionados no Evangelho de São João. Até o século XII a iconografia indicava um cravo em cada mão e um em cada pé. A partir de então aparecem, com mais frequência, apenas três cravos, um em cada mão e o terceiro atravessando os pés cruzados. Também na arte brasileira, até o século XVII, os pés estão separados e a partir de  então passam a ser cruzados e com um único cravo. 
            A tradição evangélica falava em braços estendidos  pregados num lenho, correspondendo à cruz do suplício dos escravos, composta de dois elementos fixados num ângulo reto. Para esta finalidade, o nome grego de "stauros" e o latino "cruz" se adaptavam melhor à tradição. Então foi imediatamente adotado, uma vez que oferecia aos fiéis a imagem simbólica de quem está orando. Mais tarde, nas catacumbas, converteu-se no símbolo da prece. 
                Além de Jesus, os principais protagonistas da crucificação foram os dois ladrões, o porta-lança, o porta-esponja, os soldados, a Virgem Maria e São João. Desde o início a iconografia cristã procurou diferenciar o bom do mau ladrão, denominados respectivamente de Dimas e Gestas. O bom ladrão sempre foi colocado à direita de Cristo e o mau à esquerda. O bom ladrão sempre foi pintado como jovem bondoso, imberbe e belo, que correspondia ao ideal da beleza grega. Já o mau ladrão é um homem feio, barbudo e sempre aparece com a cabeça baixa, mostrando-se envergonhado. Em algumas representações artísticas medievais, um ajo aparece acolhendo a alma de Dimas, a quem Jesus prometera o paraíso, - Lucas, 23 43. Já o mau ladrão aparece sendo levado pelo demônio para o inferno. O soldado porta-lança, que golpeou o flanco de Cristo, foi adotado pela igreja como santo, por ter reconhecido sua divindade ao curar a cegueira com o sangue do crucificado. A lança, (do grego "longke", lança) converteu-se numa das mais importantes relíquias do Vaticano.
                Na Idade Média, o porta -esponja também passou a ser alvo de interesse da igreja. O soldado, a quem se deu o nome de Stephaton, aparece com um bom feitor que ofereceu fel ao Cristo agonizante. Nas lendas bizantinas ele aparece convertido e sendo batizado, e então passa a ser o símbolo dos gentios convertidos. 
             Em todas as representações da crucificação, anteriores ao século XII, a Virgem Maria e São João, que eram a mãe e o discípulo preferido, aparecem cada um ao lado da cruz .  Somente a partir do século XIV é que se introduziu o costume de agrupá-los de um só lado. A partir dessa época a Virgem, às vezes até desmaiada, aparece amparada por São João. Na Idade Média este motivo dramático foi cada vez mais empregado na medida em que crescia o culto a Maria. Mais tarde, sob a influência dos jesuítas, surge a devoção das Sete Dores, com sete espadas que simbolicamente atravessam o coração de Maria. O final do martírio acontece quando Jesus prova o fel, dado pelo centurião porta-esponja, e diz "Está tudo consumado", e morre.
               Na sequência, a história conta sobre vários fenômenos climáticos que são narrados pelos evangelistas. Às três e meia da tarde, quando Cristo morre, o sol desaparece, o solo treme, a Terra se cobre de trevas e surge a Lua. O véu que existia no templo de Salomão rasga-se de alto a baixo, significando o rompimento da igreja com a Sinagoga. 
                 A real existência de todos os fatos em relação a Cristo sempre foi posta em dúvida pelos pesquisadores. Sem entrar nessa polêmica, mas apenas como contribuição cultural, cabe-me informar alguns fatos históricos da época de Cristo para que você, caro leitor, medite a respeito. 
             Segundo Tácito - historiador romano que viveu de 55 d. C. a 120 d.C., os judeus e egípcios foram expulsos de Roma por formarem uma mística superstição cristã. Essas expulsões ocorreram duas vezes no tempo do imperador Augusto e a terceira vez no governo de Tibério, no ano 19 d.C.  Nesta data Cristo ainda estaria vivo e pregando. Naquela época o nome cristão aplicava-se apenas para denominar a superstição judaico-egípcia e não se falava o nome de Cristo. 
                Segundo outros historiadores que, estudando Filon da Alexandria - filósofo judeu do século I - o cristianismo nasceu na Alexandria e não em Roma ou Jerusalém. Foi Filon quem escreveu boa parte do Apocalipse. Ele foi um dos judeus mais ilustres do seu tempo, e sempre esteve em dia com os acontecimentos da sua época, mas nunca mencionou o nome de Jesus Cristo em seus escritos. 
             A palavra Evangelho, que em grego significa "boa nova", já figurava na Odisseia de Homero, no século XII a. C.  Esta mesma palavra foi também encontrada numa inscrição em Priene, na Jônia, numa frase comemorativa para o endeusamento de Augusto, no seu aniversário, significando a "boa nova" no trono. 
                  Tudo isso ocorreu muito antes do aparecimento de Jesus Cristo e as escrituras. 
                 Marcião, teólogo radical ortodoxo, que viveu entre 90 e 160 d.C. foi contemporâneo de Justiniano. No ano 140 ele trouxe as Epístolas para Roma. Lá elas sofreram rigorosa triagem sendo cortada muita coisa que não convinha à igreja. Apresentavam Jesus como um Deus encarnado. Segundo ele, Jesus sofrera o martírio para resgatar os pecados da humanidade, mas apenas dos ocidentais, pois os orientais nunca tomaram conhecimento da personalidade de Jesus, seus milagres e sua pregação. 
                 O Novo Testamento, atualmente oficializado, é cópia de um texto grego do século IV. É exatamente o sinótico descoberto em 1859, em um convento do Monte Sinai, onde vem informada a origem grega. Os originais estão guardados nos museus do vaticano e de Londres. Foram publicados com devidas correções feitas por Hesíquis, de Alexandria. 
              Em 1931, no Egito, foi encontrado um papiro que nos apresenta uma ordem cronológica totalmente diferente da oficializada pela igreja. Atualmente, as fontes testamentárias aceitáveis são do século II em diante, provinda de Justiniano, Taciano, Atenágoras, Irineu e outros, os quais são considerados por muitos como os verdadeiros criadores do cristianismo. 
          Escavações feitas em Jerusalém desenterraram velhos cemitérios, onde foram encontradas muitas cruzes do século I e mesmo anteriores. Todavia, apesar de já ser usada naquela época, só a partir do século IV é que a igreja iria oficializá-la como seu emblema. Levantamentos arqueológicos posteriores provariam que a cruz já era piedoso emblema usado desde milênios. 
           O Bispo Eusébio de Cesária, considerado o pai da história da igreja, que viveu entre o ano 265 e 339, em "História Eclesiástica", 4 - 23 disse: Compus as Epístolas conforme a vontade do irmão, mas os apóstolos do diabo tacharam-nas de inverídicas, cortando-lhes certas coisas e acrescentando outras".  Referia-se às adaptações feitas pela igreja sobre seu trabalho. Ele foi um bispo que acreditava apaixonadamente na divindade de Jesus Cristo, mas muito temia o poder que possuía o bispo de Roma. Foi graças a Eusébio e outros iguais a ele que se tornou uma temeridade desacreditar na verdade oficializada pela igreja daqueles tempos. 
               Herodes, responsabilizado pela matança dos inocentes, que compõe a fuga para o Egito, não poderia ter participado daqueles eventos, pois teria morrido três anos antes de Cristo nascer, ou seja, no ano IV a.C. 
               Santo Agostinho assim se manifestou sobre os Evangelhos: "Não creria nos evangelhos se a isso não me visse obrigado pela autoridade da igreja". 
               O Papa Leão XX disse: "A fábula de Cristo é de tal modo lucrativa que seria loucura advertir os ignorantes de seu erro". 
                Polêmicas sempre existiram e continuarão a existir. Ao que tudo indica a história de Cristo foi construída passo-a-passo para atender aos interesses da igreja da época. O que realmente importa é que o nome de Jesus Cristo representa uma mensagem de amor e paz. Essa mensagem do cristianismo tem trazido muito conforto às pessoas que, estando desesperadas, buscam na fé a solução de seus problemas. Infelizmente transformaram o nome de Cristo numa mentirosa indústria de fazer dinheiro fácil, usando a boa fé das pessoas.  Os moderninhos "apóstolos midiáticos" de Cristo distribuem até carnês para pagamentos mensais, prometendo curas milagrosas aos fiéis que contribuírem. Aqui é oportuno lembrar as palavras de Cristo quando expulsou os mercadores das portas do Templo: "Tirai isto daqui e não façais da casa de meu Pai uma casa de negociantes". (Evangelho de São João, II, 16). 


      

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